As mãos dela estavam tremulas e irriquietas combinando perfeitamente com os pés dele que não paravam de bater do assoalho de madeira do consultório daquele renomado médico.
Não se sabe o que é pior, os cinco minutos que antecedem a entrada do médico, repletos de ansiedade e temor, ou as dolorosas horas que se seguiram depois.
O doutor entra no cômodo, austero, imponente... o casal fica de pé, o marido comprimenta o médico com a mão direita, enquanto a esquerda acalenta a esposa. O médico sorri um sorriso insosso, e convida-os a sentarem-se novamente.
Junto com a incerteza que tinham no coração, e a ansiedade que os dominava, os conjuges possuiam uma esperança de que tudo daria certo, uma esperança tão grande que não cabia na sala, tão pura que era mais pura que o branco do imaculado avental do médico.
Depois de um breve discurso, que o casal não foi capaz de compreender - maldito jargão médico! - o doutor concluiu, sem a menor sensibilidade e o menor cuidado que ambos eram inférteis, e que aquele casamento era incapaz de produzir decendentes, que do ponto biológico aquele casamento era uma união desfavorável e inútil.
Ele segura a mão dela com força, acena para o médico, e eles caminham lentamente em direção à porta.
Ao atravessar o portão de saída do consultório, a esposa começa a ser tomada por pensamentos tais como: qual a razão da sua existência, se mulheres são geradoras de vida, e ela não o é... oque ela seria, uma mulher incompleta? O marido se sente impotente, incapaz de dar a sua mulher a coisa que ela mais quer, um filho.
O casal desmoralizado, destruído volta para casa, no caminho não trocaram palavras nem olhares... permaneceram infiltrados dentro de sua própria miséria, como se estivessem poupando um ao outro de um sofrimento ainda maior.
Ao chegarem, ela corre para o quarto e se joga na cama, onde permanece por mais de uma hora, aos prantos, sufocando a tristeza num travesseiro velho, o único que possuia. O marido se dirige hipnoticamente à poltrona de balanço que fica no canto da sala, o movimento inerte e impaciente de seu corpo fazem com que a poltrona balance produzindo um ruido penoso, que coincide com as batidas de seu ignóbil coração.
Na hora do jantar ela pôs a mesa da cozinha, esquentou o almoço do dia anterior e serviu nas panelas mesmo, já era doído ter que sentar à mesa, ter capricho nos afazeres seria martirizante. Ele come pouco e rápido, ela mal come e passa um bom tempo esparramando os grãos de arroz pelo prato... ele se levanta, lava os pratos, ela tira a toalha da mesa e guarda as sobras na geladeira.
No banho, ela olha para seu corpo e se sente feia como nunca se sentira antes, não se sente mulher embora seu físico prove o contrário. Depois de meia hora sentindo a água bater contra a nuca, ela se enrola na toalha e sai do banheiro.
Ele já estava deitado na cama, encolhido num canto, quieto, o abajour espantosamente desligado, o livro de cabeçeira, no criado-mudo e não nas mãos.
Ela se deita e murmura alguma coisa, como resposta ouve um resmungo forçado.
Na manhã seguinte, ela serve uma mesa de café da manhã bonita, cheia de frutas, pão, leite... ele tenta sorrir, mas não consegue. Sentam-se a mesa e entre uma mordida e outra, o marido interrompe o silêncio dizendo: a gente pode adotar... um bebê pequeno, como se fosse nosso. Ela consente com a cabeça e responde: é... a gente pode.
Os corações ainda feridos são tangenciados por um sopro de esperança, como uma brisa leve que num dia quente atenua o calor do sol.
Ele a beija na testa despedindo-se, e sai para trabalhar. Ela é deixada na solidão de seu humilde lar, na imensidão de seus pensamentos confusos.
A simplicidade e o laconismo do casal talvez exortem essa dor, e talvez, no final do dia fique tudo bem. A fidelidade do marido, o companheirismo da mulher seguram um casamento minado pelas dívidas, pelas famílias, pelos sonhos não realizados, e, agora, pela infertilidade.
Porque não adotar uma criança?
Uma pequena pessoa para enxer de vida aquele lar, para trazer de volta a luz para a vida daquelas pessoas!
Um Lugar Qualquer
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