(parte I)
Hoje observei uma cena que tinha tudo para ser apenas uma cena comum, coisas que a gente vê no dia-a-dia, sem nada em especial...
Na saída da escola, em meio à todas aquelas pessoas agitadas, o falatório exagerado, risadas escandalosas, um misto de ansia juvenil com a melancolia do fim de tarde chuvoso...
Enquanto eu observava o sol cair do céu lentamente, escondido, apagado... se movendo preguiçosamente, como se não quisesse dizer adeus. Os tons opacos de laranja e vermelho, que já estavam escondidos em meio as nuvens cinzentas de chuva, sendo vagarosamente substituidos por tonalidades azuladas, e pouco a pouco a imensidão se vestia toda de noite e escuridão.
A chuva não cessava, e em meio a todo o caos de eventos surge algo novo, que destoa de todo o cenário: uma moça, vestida com uma blusa preta, um jeans comum, nada que chamasse atenção à primeira vista, senão o fato de que ela tinha calma em seus passos, paz em seus olhos...
Todas as outras pessoas corriam, gritavam, faziam barulhos, fugiam da chuva. Mas ela não, ela andava devagar, toda metida consigo, tinha um fone de ouvido apenas no ouvido esquerdo e cantarolava alguma coisa, parecia simplesmente não notar, ou não se importar, com a chuva que a molhava... ela continuava andando, lentamente, sem preocupações aparentes.
Uma gota de chuva atingiu sua face em posição estratégica, a gota assumia papel de lágrima, mas ela não chorava... e essa tal lágrima falsa, escorria perfeitamente pelas maçãs de seu rosto, com toda a calma do mundo, sem pressa alguma, até parecia que aquela gotinha d'água não queria cair do rosto inundado de paz.
Sem nenhum desespero, a moça pára na calçada e abre a bolsa, procurando por alguma coisa... mexe e revira tudo, até que encontra o que buscava, dinheiro. Sim, é claro... o dinheiro da condução! Seu celular toca, dessa vez aposto que ela se estabana e perde aquela calma irritante! Não... não foi bem assim, ela pega o celular sem nenhum sinal de desespero, contrariando toda a lógica do mundo moderno, atende-o e balbucia algumas palavras num tom muito baixo, quase ináudivel... desliga o aparelho, e coloca-o novamente na bolsa.
Repentinamente o silêncio de seu mundo é quebrado quando uma voz sai do meio da multidão e chama seu nome. Ela, por reflexo, inclina o tronco levemente e gira o pescoço tentando descobrir quem a teria chamado. Neste momento, um vento gelado sopra em direção tangencial a seu rosto, seu cabelo esvoaçante, e sua expressão confusa, dão-me uma imagem sublime... que beleza! Que pura, imaculada, que imagem maravilhosa para se guardar!
Talvez a roupa preta, o i-pod/mp3/mp4 (...) e o sorriso ausente passem a impressão de agressividade, rebeldia... ou até mesmo de introversão. Mas o fato é, que naqueles míseros três segundos, ela era angelical.
Pára um carro a alguns metros dalí, o vidro do passageiro se abre e motorista aparece, buzina, acena... e meu momento se esvai com a brisa gelada, a moça entra no carro, comprimenta o motorista, passa as mãos no cabelo, olha para o relógio... e o carro dá a partida.
Fico obsrvando o carro se distanciar cada vez mais, observando a moça que desafinava o coral da baderna mundana desaparecer no horizonte.
Não durou cinco minutos a minha cena, e já se acabou... e morreu, e logo vai ficar velha e mofar em um canto qualquer... mas aquela imagem, jamais deixará de existir em mim, em algum canto empoeirado, embolorado, escuro e não visitado cantinho de mim, ela estará lá, talvez nunca, talvez daqui a vinte anos, essa imagem volte ao meu atarefado e irriquieto pensamento...
talvez, ela simplesmente morra de tédio durante esses anos, talvez talvez talvez...
o que importa é que hoje, essa imagem me acudiu, e salvou o vazio que se instalava na cena... por mais breve que tenha sido.
e foi, e acabou...
...
quem sabe um dia eu explico de onde surgiu essa idéia...
;]
quem sabe um dia, eu te conto quem é a moça...
Um Lugar Qualquer
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário